quinta-feira, 27 de maio de 2010

“ARQUITECTO-MÓR”

Um Povo, num País, que até há apenas 30 anos, tinha que formar fila, longas e constantes filas e esperar, pelo menos quatro horas, para um simples e necessário corte de cabelo; que para fazer um fato de homem, verdadeiro luxo, adquirido por coupons de racionamento, do único tecido, espécie de cotim verde, cinzento ou preto; aguardar pelo menos doze meses, sem qualquer garantia, nem possibilidade de recurso, tanto em termos de qualidade ou de defeitos de confecção, caso contrário teria de depender da juta de sacos de farinha ou de plástico; que depois de cosidos envergava. E, se um fato era obra de um ano, uma simples camisa, embora confeccionada em mais curto espaço de tempo, só era possível, nas medidas consideradas normais, porque, caso o interessado tivesse a infelicidade de ser ou mais alto ou mais gordo, a complicação e a incerteza de que viria a servir, seria mais do que certa! Isto em termos de necessidades consideradas mais de luxo! Quanto a habitação, devido à escassês, as divisões eram reduzidas, obrigando os casais diferentes a dormir em dependências separadas. Isto, para o cidadão comum, porque para os altos funcionários que ao serviço do país se tinham de deslocar ao estrangeiro, não havia outra solução que pedir roupa adequada emprestada ao departamento respectivo! O povo, o país, é a China! Não, não estou e inventar histórias! A lista, poderia ser longa! Encurto-a, por exigências de espaço. Não posso, porém, deixar de assinalar que no ano passado, ao ultrapassar a Alemanha como o principal país exportador de todo o mundo, este país-dragão arrecadou mais de 1,5 triliões de euros!
Estes episódios verdadeiros, da vida diária, são pungente e detalhadamente descritos por uma testemunha ocular, e, mais tarde, influente personalidade dos mais altos quadros políticos do país,, recentemente vertidas para a Língua Inglesa numa obra memorável (*). Reportamo-nos a 1 de Outubro de 1979. E a personalidade que as relata é Li Lanquing, vice-Presidente da China, braço direito, (mas, devido à modéstia, por ele não admitido), do que por isso foi justamento cognominado, “Arquitecto-Mór”, aliás, Deng Xianping. Este reformador máximo, que havia sido degredado pelo infame “Gangue dos Quatro”, verdadeiro Pai da Poderosa China de hoje, milagrosamente reabilitado por Mao Zedong, em 1973, com o seu grito, semelhante ao do Ipiranga, “Reforma ou Morte”, transformou o seu país na potência económica que é hoje e, em breve, a ultrapassar a do vizinho e rival Japão, assumindo o segundo lugar das economias mundiais. Não surpreende que é a ele, bem como ao estoicismo do povo chinês e à sua obra, que o recente livro é dedicado. Revelando pormenores até aqui desconhecidos, com maior significado por partirem da pena de uma das mais chegadas testemunhas ao processo da reforma, Li Lanquing retrata, com indescritível pormenor, episódios reveladores e chocantes. Embora não descurando o crédito para a devida abertura da China ao exterior, com base na experiência do Japão, por parte de Mao Zedong, ao proclamar o início da que chamou Nova China, em 1 de Outubro de 1949, no seu, e que se tornaria influente discurso, intitulado “Relacionamento da China com os países estrangeiros”, o autor, revela, passo a passo, os pormenores do que agora é considerado como o “Milagre Chinês”. Apontando que face ao boicote imposto pelos Estados Unidos da América (EUA), com o intuito de isolar a China, esta não teve outra alternativa que recorrer à então União Soviética (US), com quem estabeleceu um acordo, em Dezembro de 1949, garantindo 156 importantes projectos industriais. Porém, e sem capacidade laboral ou técnica para desenvolvê-los, entre 1949 e 1960 a China importou mais de 20.000 técnicos tanto da US como dos países satélites e para lá enviou mais de 10.000 estudantes. Resultando no desafio em que “aprender novas coisas, tornou-se no apelo nacional”, o país deu início ao seu primeiro Plano de Cinco Anos (1953-1957). Porém, e com a brusca decisão da US, em renunciar o Acordo, resultando no abandono do importante apoio laboral e tecnológico, recorreu ao seu mais directo vizinho, o Japão, de quem recebeu preciosa assistência tanto financeira como de “know-how”.

(*) Breaking Through, The Birth of China's Opening-Up Policy (Ruptura, Origem da Política de Abertura da China) Edição da Oxford University Press, Janeiro 2010

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Reino Unido - Que Fururo?

Pela primeira vez desde o fim da II Grande Guerra, 1945, o Reino Unido é governado por uma coligação, desta vez entre Conservadores e Liberal Democratas (Lib Dems). E, igualmente pela primeira vez, desde há 200 anos, é chefiado pelo mais jovem (43 anos) primeiro-ministro, David Cameron, o 12º do reinado de Isabel II. Após uma maratona negocial de cinco dias, que oscilou entre Labour e Conservadores, em intenso namoro com os Lib Dems, chefiados pelo inovador Nick Clegg, os perdedores foram tanto o Labour como os Conservadores. Se os anteriores, propunham uma Aliança Progressista, incluindo a há muito desejada Reforma Eleitoral por parte dos Lib Dems, que foram os primeiros a apresentar semelhante proposta, como admitiu o próprio Gordon Brown e que por isso assumiu toda a responsabilidade, demitindo-se dos cargos tanto de primeiro-ministro como de dirigente partidário, mesmo antes da conclusão de qualquer acordo entre “Tories” e Lib Dems. O próprio Partido Conservador, que para formar governo e ao necessitar do apoio de outro partido, teve de renunciar, ou minimizar, importantes parâmetros do seu ideológico programa eleitoral, nomeadamente na educação (com maiores apoios às populações urbanas desfavorecidas), impostos (isenção de IRS nos primeiros 15 mil euros de rendimentos), ataque à dívida (maid moderad do que o imediatamente proposto), mas, especialmente, a partilha de postos com os Lib Dems no Gabinete. Para estes últimos, de regresso ao governo após um século, segundo fontes destacadas, conseguiram mais do que esperavam, por isso foram os grandes vencedores, nomeadamente a ascensão do seu dirigente máximo ao posto de Vice-primeiro-ministro e um seu destacado membro, Vince Cable, para ministro da influente pasta financeira de reforma bancária.

Três incógnitas: a primeira, com um partido euro-fagista como é o Conservador, cujo dirigente máximo tinha afastado o seu partido do principal Partido Conservador no Parlamento Europeu, preferindo associar-se aos xenófobos da extrema direita, garantiu não mais cedências à UE bem como NUNCA ao euro, e com um eurófobo ministro dos negócios estrangeiros, William Hague, que em 2002, então à frente do partido, perdeu as eleições gerais pelo desabrido combate à UE, resta saber se irão continuar com o seu divórcio com a Europa, face à posição antagónica dos seus coligados, os Lib Dems; segunda: quais as consequências imediatas e quais os necessários e prometidos cortes, certamente drásticos na economia e o montante da subida dos impostos?, terceira: quais as consequências desta anatural união para os hordes liberal democratas que normal e ideologicamente se situam mais próximo do labour?

Estas questões, obviamente, não foram respondidas na breve conferência de imprensa dada na Quarta-feira de tarde no soalheiro, aprazível, mas ventoso belo Jardim Rose, nas traserias de Downing Street. Descontraídos. lado a lado, a desmonstrar a exuberante juventude de ambos, os dois, primeiro-miniatro e vice asseguraram que a coligação era o melhor para o futuro do país, pelo que estava para durar os propostos cinco anos, especialmente quando há enormes dificuldades a enfrentar. Numa posição de pujança, ambos estão determinados a garantir a liberdade, justiça, responsabilidade de um governo firme e justo para com as expectativas e ambições do povo. Mas enquanto em governo estão unidos, quando em eleições, como as parciais que se avizinham, os dois partidos lutam entre si. Além disso, deste encontro resultou a novidade de que Nick Clegg, como vice, terá a pesada responsabilidade da Reforma Constitucional, que, como sabemos envolve o Referendo para a Reforma Eleitoral, a redução do número de deputados e a reforma da Câmara dos Lordes, provando, assim que não setrata de um posto nominal.

Entretanto, com Gordon Brown afastado do Poder, após 13 anos (10 como influente ministro das finanças e 3 à frente do Governo), a passar para a oposição, e no momento a gozar um bom e merecido descanso na sua terra, em Karcaldy, na Escócia, auto-afastado da escolha do seu sucessor, a este vai competir a condução do partido para uma nova e estranha fase. Com a até aqui vice, agora Dirigente Máxima Interina, Harriet Harman, que, em princípio diz não estar interessada na liderança, tudo aponta para o jovem e activo ex Ministro dos Negócios Estrangeiros, David Milliband, suceder a Gordon Brown.